Publicado em 18 de jul de 2019

“Parem de nos matar”: um grito de quem é LGBT e resiste

“Ninguém vai poder querer nos dizer como amar”. Foi com esse trecho da música “Flutua”, uma parceria entre Johnny Hooker e Liniker e os Caramelows, que não consegui conter as lágrimas no show da cantora Gloria Groove, na última quarta-feira (19). A apresentação em São Paulo foi a abertura da turnê “Fase 3 Tour” e, mais do que isso, um lembrete de que o mês de junho é o do Orgulho LGBT, com direito a uma passeata de respeito na capital paulistana no dia 23 de junho, domingo.

Gloria subiu ao palco e não poupou o vocabulário: “olha onde essa bicha da zona leste chegou”. A resposta foi uma onda de gritos e aplausos de arrepiar. O barulho não foi simplesmente pelo talento dela (também!), mas porque cada LGBT daquele lugar sabia que o mundo não é gentil o suficiente conosco para conseguirmos marcar presença em palcos como aquele.

Ela colocou todo mundo para dançar com o lançamento “YoYo” e deixou registrado que veio para ficar com a música “Império”, mas foi ao cantar canção de uma mulher negra trans e de um homem gay que desabei. Foi uma mistura de alegria, com tristeza e raiva.

A felicidade era por saber que estava dividindo o espaço com pessoas que estão vivas em um país que criminalizou a homofobia e a transfobia apenas em 2019, com oito votos a favor e três contra. Já a tristeza e a raiva vieram com situações particulares que vieram à tona, mas que possivelmente também fazer parte da realidade de quem também sabe que a heterossexualidade nunca fez sentido.

Os olhares tortos na rua doem e os burburinhos de quem está longe, mas parece estar perto, incomodam, só o que mata é a porta fechada dentro de casa. A cama é arrumada, o prato enche, as roupas até estão limpas, mas a invisibilidade continua ali. No medo de perguntar sobre a menina com quem marquei um encontro, no silêncio seguido de “que tipo de balada é essa que você vai?”, em um tom imerso em nojo e receio de promiscuidade, e nos discursos constantes de transfobia quando namorei um homem trans depois de ter assumido abertamente que mulheres também eram atraentes para mim.

Não julgo por um segundo sequer quem opta por não abrir a orientação sexual para a família. O desprezo é real. Ainda que por aqui a realidade tenha sido brigas e tentativas constantes de sair de casa por exaustão, sei que ainda existe um privilégio que muitos não têm. Surras, expulsões e, às vezes, até a morte são circunstâncias reais. Ou você esqueceu, por exemplo, que o Brasil é o país que mais mata transexuais, de acordo com o levantamento feito pela ONG Transgender Europe, em novembro de 2018?

Em um cenário como esse, não há como fingir que a frase “Ninguém solta a mão de ninguém” não faz sentido. Não dá para zombar da ideia de ser resistência. Como Pabllo Vittar enfatizou na 22ª  Parada, em 2018: “Parem de nos matar!”. Para você, que é LGBT, e está lendo esse texto: força, porque você não está sozinho e a gente vai fazer valer a pena!

 

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Postado por

Alice Arnoldi

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